viernes, 20 de junio de 2008

Fight Club, round explicativo

Nao sei como nunca cheguei a falar disto. Ë o tema mais badalado desde que cheguei de viagem, tópico de todas as mesas de café ou de jantar, ouvido de passagem nas ruas, nas casas, nas noticias. E não se trata só de encher as orelhas de mediatismo: há séria gravidade em tudo isto.
Bom. Comecemos (nem sei por onde…).
Cristina Kirchner assumiu a presidência em Dezembro – e todos pensavam que seria uma mandato tranquilo, 4 anos mais de uma relativa estabilidade (lembro a crise de 2001 e os 5 presidentes num mês, a politica argentina é qualquer coisa entre um thriller psicológico y um filme de acçao e suspense…) que começou com o anterior presidente, curiosamente, também seu marido, Nestor Kirchner (já aqui, há muuuitas teorias de esquemas e estratégias conspirativas – mas hoje o tema não é esse).
Em Março, saiu do governo uma medida de retençoes moveis para os productores de cereais.
Pausa! Algumas consideraçoes importantes…
i)os cereais nao são só ‘os cereais’. São um país que vive muito da exportacao destes e de outros (er... carne?? Campo meaning riqueza, não é ca o nosso modesto Alentejo)
ii) uma retençao é como um imposto, com a diferença que se abate do total das rendas, enquanto o imposto se calcula da diferença entre ganhos e respectivas despesas necesarias.
iii) por estes lados federais, o fruto dos impostos volta a província em questão, para ser investido – e as províncias num pais com esta dimensão tëm a importância de pequenos ‘países’; já as retençoes vão para os fundos do governo, que faz basicamente o que lhe apetece com esse dinheiro. Ou seja, Pepito, agricultor de Neuquen, ve metade da sua producao ‘voar’ 3mil km, sem saber se a ‘redistribuicao’ de riqueza vai fazer esses 3mil km de volta.
(e outra nota: sem fazer acusaçoes… há muuuita corrupçao por aqui. Muuuuuuita)
iv) já havia retençoes aos cerealenses. De 36% (pouco?). E esta medida vem subir para quase 50% (sabendo que depois vão recair também os impostos no que sobra).

Bem, a discussão é extremada em dois pólos e pode ser entendível das duas maneiras.
O campo sente-se literalmente roubado. E claro, eu até os percebo… Se ganham 100 y gastam 20, dá igual, sacam-lhes 50 pro governo (mais o que sai com os impostos), sem saber muito bem onde vão parar.
Depois o governo pode ter os seus pontos de vista: o campo ganha bem aqui na Argentina (pudera, já viram a dimensão deste pais?), são um grande exportador internacional, e por outro lado, há gente a morrer de fome cá dentro. O objectivo bem intencionado é a ‘redistribuiçao’. Claro, mas de boas intenções está o... sistema politico cheio.
Bom, já ouvi muitas vozes. E de facto, nao consigo explicar tudo o que esta implicado, muito menos em linhas de blog.
O problema é que as duas partes se aferraram nas suas posturas, e daí nao saiem, gerando uma sucessão de conflitos e choques de carril. Já pra nao dizer que dividiram o país em vozes, apoio y posicao.
Primeiro, os cortes de estradas. Os camioneiros, aliados ao Campo, mantiveram o país ‘domiciliado’ durante quase um mês – desabastecimentos, gente sem poder ir de um lado ao outro, contratos internacionais incumpridos, comida estragada nos contentores, dizem que toneladas de leite deitado ao chão, etc.
O Governo abriu a mesa de conversacao depois desta primeira mostra de força – e já ia um mês tarde.
Não chegaram a nenhuma conclusão, enrolaram, um ministro que estava contra as retençoes foi para a rua, começa a pressão sobre os governadores das províncias para não apoiar o campo, e os coitados entre a espada dos superiores e a parede dos eleitores, o mesmo Campo que os elegeu e contra o qual os querem colocar.
Não chegaram a conclusão nenhuma. E por isso, O Governo fez birra e acabou com a converseta (politicamente correcto, o ‘diálogo’), e o Nestorzinho veio dizer que o campo nao se podia aguentar eternamente em páro, e que eventualmente chegariam a exaustao (fiava-se, entao, nos dias de frio infernal que varreram o país, nessa semana).
Bem, manifestaçao de um lado era reforço da posiçao do outro; o retomo dos páros trazia um Governo mais intransigente; e isso provocava mais cortes de estrada e desabastecimento – vão ver a pinta das verduras da mercearia e percebem o que quero dizer. A ultima vez que fui ao supermercado, havia um limite de 3 pacotes de leite por carrinho – tudo em prevencao ‘’de piores tempos’’.
E provocaçao puxa beliscão, cumpriram ontem 100 dias desde que este conflito começou. Todos os dias ganha proporçoes desmesuradas, e já não importa quem tem razão: já se afincaram tanto nos seus Sims e Nãos, que é quase impossível voltar atrás. Como uma discussão entre orgulhos que aceitam tudo – ate instalar o caos num pais – menos ceder.

E agora a senhora presidenta vai levar isto ao Congresso, onde tem a maioria necessaria para fazer lei da sua decisao, e acabar com os 'uis' - sem perceber que nao é um problema de legalidade, e que essa questao formal nao vai convencer o Campo.
A agravante, independentemente de quem tem razão, é que uma das partes é o Governo, é o Estado – que não se pode comportar como um miúdo pequeno, e cuja sobérbia e forma de actuar já me parece excessiva – e aí perde toda a razão ou a parte dela que poderia chegar a ter, ou nao. E nisto, me tornei proCampo convicta.
Por melhores que sejam as intencoes do Governo e em especial de Cristina, e por mais razão e justiça que possam ter os seus actos – e está visto que a questao não é pacifica, ou o país não estaria em pé de bandeira – é inadmisivel que manejem o tema com tamanha cara fechada, orgulho de pau, nariz ao céu. São o Estado, por dios!! Não têm que criar problemas, mas resolve-los, y há momentos em que têm de deixar de lado o papel de Pai, e cumprir o de mero mandatário.
Nao se sabe muito bem onde isto vai parar. Mas se continua assim, a economia da Argentina vai outra vez bota abaixo, e as relacoes Governo/governados não voltarao a ser as mesmas. Já para não dizer que não consigo comprar uma alface decente há dois meses, e tenho que ir comprar leite dia sim dia não.

1 comentario:

Unknown dijo...

Realmente, tinhas razão, eu não tinha lido este texto. Não sei por que falta de vista, fiquei-me pelo da caçarola. E sim, também por cá tivémos um bloqueio de caminonistas que durou menos de uma semana mas que deixou as bombas de gasolina sem pinga e as prateleiras dos supermercados vazias. E deixou no ar a ameaça e a convicção de que o poder está nas mãos dos nossos musculados motoristas. Basta quererem e param o país. E assim posso imaginar a perturbação que por aí vai. Espero que essas convulsões, não vão interferir com a opinião que poderei fazer desse extraordinário país, que tu tanto louvas. Aproxima-se o dia da partida... será preciso levar o conduto?