jueves, 11 de octubre de 2007

Os diferentes, os estranhos e os locais

Numa fase em que já me sai um “che” natural quando falo com alguém (“che, que tal?”, “che vení a mi casa”, che isto, che aquilo, me encanta!), já abrevio Direito para dcho (e não dto) sem pensar, e já vou dando por mim a falar sozinha com algumas exclamações mais sentidas em castellano (estou a sentir-me uma perfeita emigra)… muitas outras coisas são também normais e não me saltam à vista.
Todavia (outro tique de linguagem muito emigra) queda por contar uma série de pormenorezinhos deliciosos (ou só diferentes, e perfeitamente aborrecidos) das esquinas e dobras de Buenos Aires. Como quando saímos a Espanha e percebemos que comem pão de borracha; ou a outro lado qualquer e reconhecemos tão tuga o restaurante do bitoque e da bica a cada esquina (O Sousa, O Almeida, A Parreirinha de Alcântara, do Rato, O Zé dos Frangos, O Zé dos Bifes, O Manel, A Maria, e por aí seguem…).
Detalhes e pormenores desta cidade… para baixar à terra da normalidade, e quotidianizar o escrito.
Por onde empezar?
Ah, claro, o café, básico de tanto tuga, pedra toque e chave de sobrevivência de muitos e de mim, para quem e sem o qual o conceito de dignidade humana não existe. E à volta do qual gira todo um mundo de vida social.
Aqui, nada de bica espessa e curta ("cheio e sem açúcar!"); vem um baldinho de café-água, feito em casa, que sorvo com algum espírito de sofrimento e resignação. Mas alegrem-se os espíritos, não há um único sítio (um!) que não faça acompanhar o café de um prato com mini bolachas/docinhos/something, e um copo de água… com gás! (Ah, boas tardes perdidas no Príncipe Real a pedir copos de água até às 7 da tarde, todavia sem sucesso)
E pelo caro que é (o mesmo preço que um maço de tabaco… 90 centimos de euro), ninguém leva o “vamos tomar um café?” no bolso para todo o lado (amigos, namorados, reunião, conversa, atrofio, só para sair de casa…). O encontro social – o café que toda a gente toma, mesmo que não o beba efectivamente – é o Mate, e toma-se nos parques, partilhado entre todos. Ouvido de passagem que 90% dos argentinos tomam mate. Calculo que os 10% resistentes sejam as crianças e alguns alérgicos à erva (seguro que los hay). Bebe-se num copo especial – parece um vaso de bardo -, com uma “palhinha” de metal, e tem o kit do termo de água quente atrás, porque o copo enche-se de erva até acima, e a água vai-se juntando aos poucos. A imagem é um encanto, e o ritual, um verdadeiro ritual. Total sinónimo de “estar”.
O leite com chocolate chama-se submarino, e é um copo de leite com uma tablete de chocolate massiva mergulhada no dito; e não se fuma em lado nenhum (alegre-se minha Mãe) desde a lei Buenos Aires Livre de humo, de Outubro do ano passado. Curiosamente, o único lugar onde esta lei não se cumpre … é na Faculdade Direito! Extraordinária noção do Bem, do Direito e da Justiça (estou a ser profundamente irónica, para quem não leu nas entrelinhas).
Seguindo o caminho dos cafés e hábitos associados, passo a informar também que o pastel de nata, o bolo de arroz, e o não menos garboso queque, são aqui gloriosamente substituídos pelas medialunas – mini croissants de uma massa tão boa que se comem sem nada. Gloriosamente, porque há sempre, há muitos, e há em todo o lado.
Tique de cultura, que sé yo? Aquí o que é bom e prático, há por todo o lado, e há só isso. Vejamos os kioskos.
São pequenas lojecas de conveniência – nunca o termo castellano tienda teve tanta plenitude – e vendem tudo o que uma pessoa precisa num momento de aflição, 24h. Vejamos… tabaco, chocolates, sugus e caramelos, barritas de cereais, chocolates, chocolates, chocolates. E cartões de saldo de telemóvel! Há uma média de dois por quadra, e às vezes mais. O que se demonstra pelo facto de, quando vamos jantar a casa de alguém, e queremos levar uma garrafa de cerveja ou vinho (o item que me faltava!), nos subúrbios dos subúrbios, não nos preocupamos com o gesto antecipado, porque seguro, seguríssimo!, que há um kiosko à porta visada.
Falando em cartões de telemóvel, também esse tema é muito próprio. Assim, quando não tenho saldo no tlm, vou a um quiosco, compro o cartão, raspo o código, ligo ao apoyo al cliente, et voila!, crédito no celular outra vez!
Mas calma… os pormenores aborrecidos e sem interesse nenhum que tenho para vocês não se ficam por aqui! Vejamos: há bancas de flores em cada passeio, 24h por dia – quiçás pelo feitio marialva dos argentinos, e mais ainda dos porteños, faça algum sentido vender flores às 5 da manhã, para eventuais, senão prováveis, necessários pedidos de desculpas; os carros não param nas passadeiras, mesmo que esteja verde (branco!) para os peões; os táxis são aos pontapés; e é normal e próprio de todos os argentinos, no matter idade, classe social ou educação, ouvir putear – meaning dizer palavroadas "de fazer corar um carroceiro"; os pintas argentinos usam óculos escuros na discoteca (pronto, até aqui é meio parvo, mas não são 1 nem 2 nem 3!); em todas as esquinas, ao lado dos kioskos, há locutórios (net e telefone); não há o conceito das lojas dos chineses, mas há o dos supermercados dos chineses; o autocarro só vende bilhtes a solo (não existe também conceito de passe) e com moedas, o que implica ficar apeado quando não há cambio nas carteiras – o que é uma chatice, e uma realidade, porque o défice de moedas é tal que ninguém em lado nenhum nos troca as notas.
E o empregado do café que flirta descaradamente qualquer mulher que se sente e peça, é normal e parte de aqui – agora mesmo…
Falando de empregados, e generalizando um pouco a ideia (metodologicamente, Savigny diria que é isto a tópica e o meu prof. de filosofia acusar-me-ia de generalização falaciosa; eu digo que é mesmo assim, está no sangue argentino!), os argentinos, e os porteños mais ainda, são uns sedutores natos. Não tanto em qualidade do paleio (não podem querer tê-lo todos, não é?), senão pela sua naturalidade, e quantidade de vezes que o entabulam. Metem-se sempre (sempre!): o taxista, o homem do kiosko, o rapaz que vai a passar na rua como outro qualquer, o hippie que faz brincos artesanais, o rapaz que te atende na loja. Uma amiga minha ficou com o numero do funcionário do banco que a atendeu! Mas com uma “gracia”, que torna a coisa num cumprimento - maior boa onda, o “não, não” é respondido com um sorriso, sorriem de volta bastando-se com isso, e seguem caminho.
Nada disto é exclusivo de minha descoberta. Conheci um rapaz simpaticíssimo numa festa, igualmente atrevido (daí partiu a conversa) e gay (aha, antes deste ponto pensavam que era engate, não era? Tsss não têm remédio seus alcoviteiros!) que me dizia, a páginas tantas, isso mesmo: o argentino rege-se pelo lema Veni Vidi, no que toca à mulherada (o vici requer mais arte). E se na rua, somos abordadas das mais variadas maneiras, e metade delas têm graça e nos fazem rir, numa festa o ataque é cerrado e chega a ser cansativo, porque não há rabo de saias que escape à arte de bem/mal falar.
“Pero Catarina, yo te digo” – respondia-me o meu amigo – “yo estuve en el mundo… y no hay hombres más lindos que los argentinos!!”. E não é que pode ter alguma razao?

E aqui suspensa, me retiro... é que me estão a tocar à campainha, e outro pormenor perfeitamente (este sim) absurdo é que, por segurança, não há mecanismo para abrir as portas da rua directamente dos apartamentos. Meaning, descer 6 pisos. Imaginem um jantar de 20 pessoas!


ps. dia 17 tudo a comprar a visão. logo perceberão!
pps. vou ver as baleias dia 24, ao sul da Argentina! Primeira saída oficial!

2 comentarios:

MFA dijo...

Gostei, gostei, gostei. do conteúdo e do continente. Percebes a metonímia?

Extraordinários pormenores que nos fazem tão diferentes uns dos outros. Falo como é óbvio dos diferentes, dos estranhos e dos locais. Os dos sapatos, são iguais em toda a parte.

Miguel Gama dijo...

eu sou pessego