lunes, 31 de diciembre de 2007

Ruta 40

O norte argentino.
As peles mais escuras, os cabelos mais negros, mais pesados. Os traços mais indios.
As ruas sao diferentes, baixas rentes ao chao, cheias de pò. Amarelas. Há caes rafeiros perdidos nas esquinas e cafes de estores fechados ao meio dia, porque o sol esbofeteia. Quase imagino bolas de espinhos a atravessar as calles. (um abraco juridico hehe)
Parece que mudei de país, sem dar por isso, o Norte é definitivamente diferente. Ou seja Buenos Aires esse mundo aparte dentro de uma Argentina de outras cores.
Estamos nove, vários duos de viagem com estes destinos comuns: eu e a Ainoa; Ivan y Pablo (argentinos); Melanie, Jennifer y Carole (francia); Carolina y Natalia, duas porteñas conhecidas no caminho.
Confiamos neles, os chicos, que ja estiveram no Norte, e nos levam a fazer uma boa recorrida - imaginamos porque voltaram, com apenas 15 dias uteis de férias, aos mesmos lugares de outros anos.
Que o Norte é uma delicia, e todas as estradas acabam num pueblo charmoso. Mais precisamente ( onde vamos), Salta capital ou Salta la Linda, Cachi, Cafayate, Purmamarca y Tilcara.
Decidimos alquilar carro e lancarmo-nos na Ruta 40, uma estrada de terra e calhau solto no meio da montanha, até alguns pueblos mais reconditos. 400 km de estrada a pedir dois dias inteiros ao volante, porque o humor frio das Pampas é aqui o feitio mais caprichoso de uma naturea espevitada.
Cachi. Cafayate. Encantadores. Pueblos mínimos, colados ao chao, a lembrar terras perdidas de um mundo de índios e cowboys. Cheira a empanada frita em cada porta - e a humita e a tamal, que sao uns típicos de acá, o primeiro de milho, o segundo de carne, envoltos numa folha de uma planta qualquer, casca de algo. Há camionetas e bicicletas de latao enferrujado, e pó, pó, pó. As crianças sao lindas de morrer - os narizes ranhosos cheios de terra e uns olhos negros de índios, enormes, uns cabelos espessos cor de carvao.
Igual, fueran estos umas aldeias sem gracola nenhuma, e a Ruta 40 seguia valendo por si.
Capaz seja o caminho mais incrível que já calcorreei em vida minha.
A paisagem é esquizofrénica. Entramos na montanha verde-imenso, verde absurdo. A estrada é ainda de alcatrao, em ziguezagues que nao deixam adivinhar a intencao da proxima curva. A cada metro, somos engolidos mais e mais. Verde, verde-água, verde-relva, verde-tropa, verde-que-nunca-mais-acaba e sempre mais verde e mais forte.
De repente, numa curva igual às outras, o verde passa a encarnado. A montanha é fogo, sangue, laranja em pó, terra-barro, luz psicadélica de lampada duvidosa.
Uma hora depois chega o deserto - este sim, o faroeste.
O encarnado vermelhao esbate-se num amarelo gasto, árido, seco, agreste. A estrada torna-se mais caprichosa, e ja nao é de alcatrao: terra solta e calhau. Estamos - sim - no tal faroeste, o dos filmes. A estrada entra por desfiladeiros, sai por vales de pedra, passa discretamente ao lado de outros planaltos, entra e sai da montanha, e podem adivinhar-se filmes de índios e cowboys aos tiros e aos gritos montanha abaixo, a sairem de esconderijos de pedra. Há cactos. Em fila, de perfil, grandes, pequenos, ordenados, espalhados, dispersos, a coroar a linha alta da montanha junto ao céu, como uma coroa, e escorregando encosta abaixo.
O folclore salteño na radio cheia de interferencias, a harmonica, o violao, a flauta de madeira, a voz cigana a prender-se nas sílabas continuadas. E cactos, cactos, cactos.
Acábamos em grande. Chegámos ao topo, entramos numa nuvem, parámos os carros, e passou uma musica muito boa na radio. Dancamos dentro da nuvem, nao se via um palmo a frente do nariz, mas estavamos todos tao contentes e tao cheios da Ruta 40, da terra comida e das paragenes onde a vista apeteceu, que nos quedamos feitos tontos no topo da montanha a dancar folclore.

2 comentarios:

Unknown dijo...

Lindo, filha. Impressionista a tua descrição.

Zé SL dijo...

Descrição impressionante ... relato fantástico ... discurso escorreito ... palavras sentidas ... sensações vividas ... só é pena é ter sido escrito em "portinhol" ... Estou a brincar, está muito giro !
bjs do Pai