viernes, 31 de agosto de 2007

actualização de alguns feitos

I - a Faculdade.


A faculdade!! Finalmente ganhei coragem e fui enfim às aulas. Que apesar de (para quem bem me conhece e bem gozou!) normalmente por fins de Agosto eu estar já em parafuso, pela desocupação (bichinho workaholic em ebulição), a verdade é que a saída de Vila Nova e de muitas boas últimas noites e jantaradas, dos chinelos e da preguiçosa praia, para cair em plena altura de regresso às aulas e num Inverno mais rigoroso que Buenos Aires conhece (e eu própria) foi queda abrupta. O primeiro esforço físico e mental foi tirar da mala as luvas, os cachecóis, as lãs. Sair de casa e apanhar chuva desprevenida, arrepender-me de não ter vestido mais uma camisola, de não ter trazido as botas de Inverno, estranhar o vento gelado quando ainda tenho a barriga bronzeada (que o resto já retomou a cor normal, para minha infelicidade)!
O segundo passo foram as aulas. Que começavam no dia a seguir à minha chegada, mas com a confusão com que ela aconteceu, foram inexistentes até à semana seguinte. Alquiller tratado, dinheiro em caixa, camas compradas e pés assentes (??), lá fui à faculdade.
Como tudo aqui... gigante. Entrei deliciada com o frenético ambiente de “regresso às aulas”, as politiquices típicas de uma Faculdade de direito, que nos primeiros dias do ano ainda tem fresco o ânimo reivindicativo (cartazes por todo o lado, parece que por aqui também vão acontecer algumas reformas), de metro a metro, mil mãos a distribuir panfletos (de fotocópias, de teatros, de politicas e listas académicas, de jornais universitários...). As salas das cadeiras são anunciadas também por panfletos, nos semáforos da última passadeira até à porta da universidade, e se me apanhassem de humor mais fechado, não teria estendido a mão ao dito papel, e tinha-me perdido mais do que aconteceu.
A Faculdade é gigante, e a primeira hora que lá estive foi totalmente perdida nos corredores cheios de gente e livros e folhas (sim, e panfletos também, again por todo o lado).
Escadas, andares, bares, escadas, salas e salas e salas a perder nas contas. Por fora, é um edifico imponente, ao estilo antigo, quase romano, com umas colunas gigantes. Por dentro é um labirinto, uma multidão, e antigo também, mas mais ao jeito de velho e menos de antiguidade. Mas muito faculdade. E muito Direito, porque em todo o lado há livrarias, fotocópias, bibliotecas, nerds e cartazes reivindicativos.
Tão grande que nem as pessoas (metade delas) sabiam onde raio era o departamento de relações internacionais, para me inscrever.
Inscrição bem sucedida, zarpei para casa a tratar da lide doméstica (meaning, comprar as ditas “camas”, item básico à sobrevivência).
Inscrevi-me em 4 cadeiras (que para eles é uma loucura, porque o máximo para locais é 3. Parece que o método por aqui passa por poucas aulas, horário liberto – muitos trabalham, para não dizer quase todos -, e sobretudo ler, ler, ler. Em casa, e tudo o que se puder. Num registo quase autodidacta), e a descrição que se segue vai para os meus queridos companheiros juristas, que saberão do que estou a falar: Elementos de Derecho Comercial; derecho politico y electoral; derecho internacional privado; e, por capricho e vontade de saber um bocadinho, Historia de las ideas, conflictos y politicas de Argentina. Não tenho aulas as 3f e 6f, bem bom para fazer fins de semana prolongados, a viajar por esses confins.
Quarta-feira, dia 22 (grande dia, já devidamente assinalado!), lá fui eu para a minha primeira aula, e o resto da semana foi irrepreensível! Algumas primeiras impressões, mas guardo-me para posteriores escrituras, que não quero cansar-vos (ou a mim), com excesso de informação!
Fica a dica, para gentes da Clássica, que aqui não há teóricas. Todas as aulas são em salas pequenas, com bancos de madeira corridos e paredes sem cor, e há tantas cadeiras e tantos horários (só de comercial podia escolher entre cerca de 30 horários e professores diferentes, e a lista de cadeiras é infindável!) que tenho uma cadeira com doze alunos! Só quando a aula acaba e volto aos corredores é que volto a cair na imensidão da Faculdade!
E agora, aulas a preparar, fotocopias, livros para comprar, estudar já... Meio violento, mas bem ao jeito que eu gosto!











II - Gentes

O segundo acontecimento da semana obrigou-me a calar alguns escritos já em espera de serem publicados, sobre o estranho que estava a ser, apesar de me parecerem bons estes ares, não ter aqui as minhas pessoas e os meus lugares. Não estou a falar de vocês ou dos meus jardins de príncipes reais por aí - claro que é estranho não ter tudo isso. Mas estou a falar de (não) ter aqui, em Buenos Aires, gentes minhas, laços meus, cafés combinados, estar, só estar. Lugares também não. O Jardim onde me apetece passear, o bom café matinal, o sítio barato, o sítio bom, e o café-lugar (Maria Inês sempre aprendi alguma coisa contigo!). Não já só o fascínio da Cidade. Espalhei-me por folhas e folhas sobre a sensação de não pertencer ainda aqui. De estar cá a apalpar terreno ainda, de não ainda a mensagem à mão do “bora fazer qualquer coisa”, mas apenas o “de onde és e o que fazes aqui” inicial. Dando o desconto do pouco tempo que aqui estava, mas ansiando por mais qualquer coisa que esse gerúndio. Que esse “ir conhecendo”, ir “estando”.
Bastaram dois ou três programas gerais de Erasmus para nascer alguma cumplicidade e um extraordinário à vontade que deu lugar, agora, a encontros vários a toda a hora, cafezadas, jantarinhos só porque sim, cinema, enfim, o dia-a-dia normal e excepcional que temos com as nossas pessoas. As minhas, de cá, agora.
O ponto de arranque foi a noite de Tango – já tinha dito que fui ao Campeonato Mundial de Tango?, entradas grátis, levantadas no próprio dia, 10 pares de cada vez a dançar o melhor tango do Mundo -, onde voltei a perceber o porquê da minha fixação no dito. O 1º programa dos Erasmus da minha faculdade! Os sobreviventes a 4 horas de tango partiram para minha casa, a fazer tempo até ser hora de rumar a um barzinho, e acabou por ser esse mesmo o programa, porque as mensagens do “vem cá ter” foram rolando, a campainha ia cantando a cada minuto, e num instante juntou-se ali uma malta que bem podia representar as Nações Unidas: Portugal, Espanha, França, Chile, Argentina, Brasil, EUA, Inglaterra, Hawai...
Rolaram musica, copos ligeiros, conversas, apresentações, a melhor disposição, piadas e fotografias. Foi uma animação, e um sopro de descompressão. Para mim, que estava a precisar de gente na minha vida por aqui, e para os meus Anjos, que estão de férias há duas semanas, meaning ausência de frequente convívio com a colegagem da faculdade (dito na secretaria da faculdade de Engenharia: “Isto aqui não é como na Europa, aqui é tudo uma confusão!”; significado: vamos estar de greve nos próximos dias!).
Bem, daqui vieram programas a toda a hora, mensagens diárias e comunicação rotineira, projectos de viagens, e muito boas perspectivas de um ano para a frente!



ps: estou em colecta de fotografias para apresentar com toda a pompa e circunstancia a malta daqui! Para breve!!







III - 3as feiras



Terça-feira. Dia de pausa de uma 2ªf muito cansativa (não são sempre?), dia sem classes, e portanto, combinação daqui para a frente, promessa de sangue entre maltas de Erasmus, dia de passeio. Como as visitas de estudo do jardim-escola. Passo portanto a informar que passarei a ter uma crónica semanal turisto-cultural. Ena, ena!!



A estreia deste ambicioso projecto tinha o bairro La Boca em vista, a imagem de marca de BsAs (logo a seguir ao tango e em estrito empate com as parrillas - meaning carne, carne, carne!), as tais casinhas coloridas que aparecem em todos os postais. Comecei com a ideia genial de ir até ao ponto de encontro a pé -onde cheguei duas horas depois (e no mapa parecia já ali...). Mas acabou por saber lindamente, porque se aqui tudo é grande, tudo é plano também - e se Lisboa assim fosse, faria Marquês-Queluz (seja lá onde isso fique) com igual leveza. 5 km de Avenida (a minha preferida, a de Santa Fé), a bom passo, o tal apressado a que estas avenidas obrigam, boa pressa! Conheci no seu fim a great Plaza de San Martin (herói muito bem tido destas bandas, vou averiguar a história e depois conto), tão familiarmente europeia que bem podia estar em Madrid.



Abro parentesis nestas andanças, a propósito disso, e do que minha querida mãe tinha também já perguntado, para dizer que estou a ter uma classe interessantíssima sobre História da Argentina, e que nas primeiras aulas falámos muito da consolidação do Estado e do programa de 80. Passo a contextualizar: a Argentina é como um puzzle. Como faz sentido pensar, tendo sido colonizada por outros povos e outras culturas, a mescla é um dado óbvio e não estou a adiantar nada. Mas vai um bocadinho mais longe do que isso. Há aqui algum complexo em relação à Europa, e algum sintoma de "amiga-feia-que-copia-amiga-gira". Com a estupidez inerente ao facto da Argentina ser lindíssima, mas algum sentido sentido na busca de desenvolvimento e evolução onde eles já existem. Então o Programa de 80 foi buscar a alguns países na Europa os melhores modelos em cada área. Por exemplo, militarmente, a Prússia (até os uniformes eram parecidos); e claro, culturalmente, a França (creio que a palavra utilizada pelo Prof. foi mesmo obsessão). Depois de uma hora e meia de aula, pareceu fácil perceber o deja vu europeu de Buenos Aires.
Em resposta à sua pergunta, madre mia, e apesar de não me lembrar de Paris, sim, aqui há Paris (não por acaso que chamam a BsAs "a Paris da América Latina"), e também Madrid, e até Londres. Curiosamente, não há Lisboa, mas isso talvez porque a conheço demasiado bem, porque de facto Lisboa é um género de capital europeia muito próprio, autoinventado. Lisboa só nas gentes.



Continuando o passeio, continuei calcorreando a Florida, por mais uma hora de passeio solto. Passeio pedonal, estendido também por kms, muito turistica e comercial nas lojas, mas sem perder o género Mi Buenos Aires Querido (nome de um tango conhecidíssimo), na multidão em hora de ponta, dos trabalhadores argentinos que pareciam fazer tudo menos trabalhar porque enchem as ruas com as suas gravatas, os saltos, as conversas em voz alta ao telemóvel.



Acabei no dito La Boca, o bairro pobre da cidade, a cair de podre e de sujo e de velho, mas com uns salpicos de sentido de humor nas casas amarelas, encarnadas, azuis. O Rodrigo (TDP, Tuga De Passagem) que está a fazer a minha dulce viagem de sonho por esta América, explicou-me o porquê: o barrio fica ao lado de um porto fantasma, com barcos, garrafas e pnes encalhados, presos no lodo. E anos antes destes nossos, as maltas cá do sítio aproveitavam madeiras e tintas dos barcos perdidos, presos, partidos, para construir as casas. Assim, todo um bairro com ar de barquinho de pescador. As casas são da cor dos barcos e assim acabou La Boca sendo o bairro apetitoso que é, para quem consegue (como qualquer bom turista) ter o cinismo de virar a cara às casas podres, aos cães rafeiros, ao cheiro, aos homens sem banho.


O ponto alto desse cinismo é El Caminito, à letra e na realidade também, um caminhito, i.é, meia quadra de rua, com as casas impecavelmente retocadas na pintura sem mancha; e de repente parece que por dois segundos se entra noutro mundo; e até se chega a ter alguma sensação de segurança, e de repente naqueles 20 metros somos assaltados com panfletos de shows de tango e jantares fantásticos - nos unicos dois restaurantes desse pequeno troço. Com a maior das pintas sim. Mas não dá para não sentir a mascarice da coisa, e quase me senti mal por ali estar, como tomada por idiota. É que La Boca é de facto encantador, no seu género. Mas não naquele género de guia-postal ilustrado, em que nada é real, e é só para turista ver!


Não sei porque me está a sair isto de forma tão aguerrida, mas foi desconfortável passear em todo um bairro sem ter coragem de tirar a máquina fotográfica da mala, e de repente num troço com menos de 20 metros ser tudo perfeito e tudo novo e tudo... fantasia.


Gostei de La Boca, mas da real.


Até porque me voltaram a dizer que tinha pinta de porteña (tese que eu, muito inchada, corroborei, com uma mãe argentina.... sorry mamma, mas pegou, e foi bom para sacudir a pinta de estrangeiros que não bom ter em La Boca).


Gostava de ter mais fotografias, mas não me atrevi.






3 comentarios:

Martim dijo...

Grande post sua viciada na escrita! Já estávamos expectantes quanto ao que andarias a fazer nestes ultimos dias (a Maria telefonou-me ontem um pouco desiludida por não teres actualizado o blog desde dia 22).
São quase 4h da manhã por isso já existe algum esforço da minha parte para combinar certas ideias nas linhas que te escrevo, mas de qualquer maneira aqui vai um pequeno relatório dos meus dias:
Cheguei hoje da grande viagem de 5 dias que eu, Tony, Kika, Zegui e o Mascarenhas fizemos pelo fascinante "Norte" deste nosso Portugal. Fomos directamente para Monsanto, para casa da simpática avózinha do Luis, e depois andámos (literalmente) pelos arredores da vila. Aconselho-te vivamente, depois de descobrires tudo o que a Argentina tem pa te dar, que vás a Monsanto que é uma terra simplesmente UAU. Muito portuguesa nas pessoas, habitações e afins que não cheguei a descobrir. A melhor forma para imaginares a vila, será visualizar um pequeno número de habitações a crescer caoticamente no meio de gigantescos pedregulhos (e um castelinho lá em cima para animar!yay).
Acábamos na Mourisca (ainda te lembras??) e apenas restaram o kika e o zé para continuar a viagem, pois eu e o antónio viemos para o jantar do Miguel (foi no mesmo restaurante que o teu!) e o Luis foi para os Algarves.
Estou assim ressacado de uma viagem das mais cansativas que já fiz (andámos 50 km ao todo, e muitas vezes, a subir!!), com muitos puns e arrotos à mistura mas com todo o esforço compensado!
Quando estiveres disponível mostro-te fotografias para ficares completamente maluca!!! :O

Muitas coisas ficam por contar. Guardo-as para mais tarde te as relatar. (finalmente faço uma rima decente e (espero) sem erros ortográficos)

P.S. - Não tens skype sem ser por número de telemovel? Abre uma conta no skype minha granda toina!

MFA dijo...

Minha filha
Finalmente notícias. Uma torrente de notícias. Procura pôr mais vírgulas, para te conseguirmos acompanhar. Ficámos sem fôlego. Foi feita leitura expressiva por mim à Tia Luisinha, Tio Miguel, manos presentes, Zé Maria, Teresinha... Rimos e matámos saudades.
Pobres Anjos...

madalena dijo...

que giro,as casinhas das fotografias que tiraste sao mm igais ás que eu fui buscar á internet pa pôr no teu filme!!;)
espero que tenhas recebido o meu mail a contar as novidades todas,aqui por enquanto fica so um beijao cheio de saudades,da tua madulen