domingo, 19 de agosto de 2007

Cidade

Vou descobrindo uma beleza urbana diferente da que estou habituada e apaixonada à partida. Não encontro aqui as minhas ruelas desordenadas, irreverentes à medida em que cada uma quis crescer, sem disciplina, cruzadas, labirínticas, ziguezagueando em subidas absurdas e traço sem sentido. Não há nas janelas as vizinhas e os gatos, os estendais sem pudor, as varandas que se tocam sem respeito pela intimidade. Não há os jardins semeados de velhos a jogar cartas, nem pombos, nem qualquer sinal da Lisboa antiga, cidade-quintal minha, cidade em ponto pequeno e familiar na dimensão.
Aqui tudo é enorme, urbano, desconhecido até para quem pertence, porque a cidade não tem fim. Não há o escape acolhedor de um bairro alto, vizinho. Não há essa portuguesa pequenez, vizinhança. Tudo está numa maior escala do que podia ter noção.
Aqui tudo é Cidade.
As ruas são largas e não são ruas; avenidas. Comportadas na geometria irrepreensível, sua matemática lógica. O desenho da cidade é civilizado e não permite descidas da Glória ou teias de Alfama. A cidade adivinha-se em traço de olhos fechados. E no entanto, sua irreverência vive noutra perspectiva, porque tudo corre e tudo vibra, e em cada larga avenida, o que se perde em rectidão de espaço se ganha no ritmo frenético das pessoas que não deixam dormir os passeios, nas luzes dos letreiros das lojas, hotéis, restaurantes, bares, cafés, quiosques, livrarias… e dos carros, dos táxis e dos autocarros, que parecem andar às voltas, porque não acabam no sinal verde que abre – que por falar nisso, para os peões, não é verde, é branco.
Há um imparável movimento, sem aqueles 2 instantes de quietude que de vez em quando sinto em Lisboa, quando por um instante não passa carro algum, e por outro não vejo vivalma.
Aqui não.
Dou por mim a flirtar com essa visão de transito selvagem, de grande metrópole, e no entanto, tão latino na indisciplina com que não importam as faixas (parecem manadas de gnus, alguém viu o Rei Leão??).
Dá vontade de acelerar o passo e entrar nesse ritmo vibrante, apanhar um táxi (brancos, pretos, amarelos… a tarifa inicial são 50 cêntimos, e pode ir, imaginem, até aos 4 euros!) e galopar a cidade, acelerar até ao fim da avenida, ganhar essa pressa descontraída e correr, correr, correr.
Dou por mim a flirtar com esta cidade que existe num traço que nada tem a haver com aquilo que me prende a Lisboa, e a todas as cidades que me receberam. Com o sentido urbano que não conhecia. Com a Cidade.



1 comentario:

MFA dijo...

Comentário do tio Pedro Mantero que acordou do seu coma:Buenos Aires tem muito da arquitectura parisiense. Confirmas? Diz também que não deixes de ir a Sacramento, muito português, e Montevideu.

Comentário da Paquica: A Catarina parece o Saramago a escrever.( Ela gosta de Saramago mas encontra-lhe alguma dificuldade.)